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Sobre primos em algumas progressões aritméticas

Vamos falar um pouco sobre algumas coisas legais envolvendo progressões aritméticas com termos primos.

Primeiro, vamos relembrar algumas coisas e fixar notações:

A partir de agora, vamos considerar PAs com os valores \(A, B\) e seus termos em \(\mathbb{N}\), já que estaremos falando de PAs com termos primos.

A primeira coisa que podemos notar é que \(\mathbb{P} \setminus \{2n+1\}_{n \ge 0} = \{2\}\), já que nenhum primo pode ser par, exceto \(2\). Então a sequência de todos os primos é uma subsequência de \(a_{n+1} = 2n+1, n \ge 0\).

Outra coisa legal: se considerarmos \({an+b}_{n \ge 0}\) com \(mdc(a, b)>1\), isso significa que existe algum \(m\) que divide \(a\) e \(b\), então ele divide \(an+b\) e portanto se \(m\) não é primo, \(an+b\) também não é. Na verdade, a única chance de \(an+b\) ser primo é quando \(m\) é primo, então existe no máximo um primo em \({an+b}_{n \ge 0}\).

Agora você pode estar se perguntando: “Existe alguma PA (não-constante) que somente contém primos?” A resposta é não.

Suponha que tal sequência \(a\) exista. Então \(a_{1} = p\) é primo e todo \(a_{n+1} = a_{1}+(n-1)r = p+(n-1)r\), pra algum \(r \in \mathbb{N}\).
Então se tormarmos \(a_{p+1}\), temos \(a_{p+1} = p+(p+1-1)r = p+pr = p(1+r)\), então \(a_{1} = p \mid a_{p+1}\). Absurdo, já que \(a_{p+1} > a_{1}\) e \(a_{p+1}\) era primo por suposição.

Agora falando de algo um pouco mais interessante, vamos voltar para o nosso conjunto \(\{2n+1\}_{n \ge 0}\). Como vimos, ele contém infinitos primos. Vamos testar isso para outras PAs, como \(a_{n+1} = 4n+3, n \ge 0\), onde \(a_{1}\), \(a_{2}\), e \(a_{3}\) são exemplos de termos primos.

Nós começamos supondo que \(\{4n+3\}_{n \ge 0} \bigcap \mathbb{P} = \{p_{i}\}, i \in I_{k}\) pra algum \(k \in \mathbb{N}\). Ou seja, nós supomos que o conjunto de primos na nossa sequência é finito.

Lema 1: Nós temos que \((4a+1)(4b+1) = 16ab+4a+4b+1 =\) \(4(4ab+a+b)+1\), então \((4a+1)(4b+1)\) também é da forma \(4c+1\) para algum \(c\).

Seja K o produto de todos os \(p_{i}\)’s no nosso conjunto. Então vamos tomar \(\lambda = 4K-1 = 4(K-1)+3\). Já que \(\lambda>1\), ele tem uma decomposição única em primos, então \(\lambda = \prod\limits_{i=1}^{m}q_{i}\), onde \(q_{i} \in \mathbb{P}\), para algum \(m \in \mathbb{N}\).

Já que \(\lambda\) é da forma \(4N+3\), pelo menos algum \(q_{j}\) é da forma \(4N+3\), pois caso \(q_{i}\) fosse da forma \(4N+1, \forall i \in I_{m}\), \(\lambda\) também seria da forma \(4N+1\) (Lema 1). Então esse \(q_{j} \in \{p_{i}\}\).

Então temos que \(q_{j} \mid \lambda\) e \(q_{j} \mid K \implies q_{j} \mid 1\). Absurdo (\(q_{j} \neq 1\)). Então não existe \(k \in \mathbb{N}\) tal que \(\{4n+3\}_{n \ge 0} \bigcap \mathbb{P} = \{p_{i}\}, i \in I_{k}\). Ou seja, \(\{4n+3\}_{n \ge 0}\) contém infinitos primos.

Então será que existe um jeito de generalizar isso e checar rapidamente se uma PA contém infinitos primos ou não? Existe sim. Meu objetivo não é provar isso rigorosamente, mas só apresentar a ideia do teorema.

Esse teorema é chamado “Teorema de Dirichlet para progressões aritméticas”, e ele diz que se \(a\) e \(b\) são primos entre si, o conjunto \(\{an+b\}_{n \ge 0}\) tem infinitos primos. A prova desse teorema usa conceitos de teoria analítica dos números pra chegar nessa conclusão, especialmente com o objetivo de mostrar que a soma dos recíprocos dos primos nesse conjunto diverge.

A ideia disso é, porcamente falando, ligar a divergência de \(log\) com a soma dos recíprocos dos primos utilizando a função Zeta de Riemann \(\zeta(s) = \prod\limits_{p \in \mathbb{P}} \frac{1}{1-p^{-s}}\).

Basicamente, nós temos que \(log(\zeta(s)) = \sum\limits_{p \in \mathbb{P}} -log(1-p^{-s})\) \(= \sum\limits_{p \in \mathbb{P}, n \in \mathbb{N}} \frac{p^{-ns}}{n} = \sum\limits_{p \in \mathbb{P}} \frac{1}{p^{s}} + O(1)\), com \(O(1)\) sendo um termo de ordem 1. E de fato, \(\lim\limits_{s \to 1^{+}} log(\zeta(s)) = \infty\), o que significa que \(\mathbb{P}\) é infinito (Teorema de Euclides).

Dirichlet extende esse resultado com a sua função “\(L\)”, que utiliza um objeto chamado “Caractere de Dirichlet” para restringir a soma dos recíprocos dos primos a uma classe de congruência, obtendo \(\sum\limits_{p \in \mathbb{P} \bigcap \{an+b\}} \frac{1}{p^{s}} + O(1)\) de uma função que envolve o \(log(L(\chi, s))\), onde \(\chi\) é o caractere de Dirichlet.

E daí a ideia final é provar que isso diverge quando \(s \to 1\), e então esse conjunto \(\{an+b\}_{n \ge 0}\) é infinito (mais sobre isso).

Como vimos, não existe uma PA com apenas termos primos, mas com certeza existem PAs finitas dessa forma, como por exemplo \(\{6n+5\}_{n \in I_{5}}\) e \(\{30n+7\}_{n \in I_{6}}\).

Em 2004, Ben Green e Terence Tao provaram que na verdade existem PAs finitas de tamanho arbitrário somente com termos primos, mesmo que não seja possível construir essas PAs somente com o teorema, já que é somente um teorema de existência.

Atualmente, a maior PA conhecida que tem somente termos primos é \(\{155368778·23\#n+605185576317848261\}_{n \in I_{27}}\), onde \(k\#\) é o produto de todos os primos menores que ou iguais a \(k\). Essa sequência foi encontrada em 2023 pelo projeto de computação distribuída PrimeGrid.

Explicar a prova desse teorema está fora do meu alcance, mas você pode ler um pouco mais sobre ele aqui se quiser.

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